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Vou dizendo certas coisas.
Vou sabendo certas outras.
(…) AINDA
Madredeus

Ainda é o novo espetáculo do coral Fundap, programado para estrear em setembro de 2005. Depois de uma gestação de alguns meses, o repertório tomou forma e tem como base manifestações da cultura de vários povos e épocas na ritualização de seu cotidiano, e uma linha narrativa que abre espaço para a interpretação do espectador a partir de seu repertório cultural e do inconsciente coletivo.

Não tivemos receio de reunir uma peça de Benjamin Britten – ‘A boy was born – com o ‘Ezili’ do folclore haitiano – ambas falam da vida e da morte de uma criança, em contextos bem diversos, mas que sempre se reduzem ao que Nietzsche se refere como humano, demasiado  humano. Assim, o sino da igrejinha da ‘Festa de umbanda’ de Martinho da Vila, manifestação do sincretismo da cultura afrobrasileira, dialoga com o ‘Kyrie’ de Per Störby, compositor sueco contemporâneo que se renova na tradição da liturgia católica cantada em latim. Mais tarde, nos transportamos para a música disco dos anos 70 com outros suecos, do grupo ABBA, com a popularíssima ‘Mamma Mia’. Deixemos que o público faça sua leitura. Não queremos explicar coisas demais.

A dança dos dervixes, Pina Bausch e o teatro-dança fazem aparições nas movimentações do coro, como quando os homens cantam a cantiga de ninar afegã ‘A lalo Bacho’, que traz fragmentos do ‘Tutu Marambá’ do folclore brasileiro. Impressões estéticas baseadas em semelhanças e contrastes de atmosfera se sucedem, mas o páthos se apóia no fluxo narrativo desenhado pela coreografia, pela luz e pela articulação dos conjuntos vocais. Ainda surgirão em cena a misteriosa ‘Frevo Mulher’ de Zé Ramalho e o ‘Rex Tremendae’ do Réquiem de Mozart. Deus e o Diabo em nossa terra de Sol.

O espetáculo se encerra com a canção de Miguel Bose ‘Este Mundo Va’ (Porque en un mundo que va a la velocidad del rayo aguanto el vuelo más si me agarro de tu mano acompáñame hasta donde pueda llegar… en este mundo que va como la luz del pensamiento el mérito está en no quedarme en el intento y aunque no lo quiera ¿Que duda cabe ya?)…AINDA. Na dança dos dervixes e nas luzes de um globo de espelhos, na batida do drum&bass e nos clusters de uma (des)harmonia complexa como nossas cidades. Geléia geral da cultura de fim e início de século, entropia e diversidade, jogo, festa, troca de idéias e olhares. Ou talvez só um pretexto para que ainda possamos celebrar a tolerância e a pluralidade, nascidas no espírito da música; como nas palavras de Nietszche:

“Falta aqui uma oposição entre um mundo verdadeiro e um mundo aparente: há somente um mundo, e este é falso, cruel, contraditório, enganoso, sem sentido… Um tal mundo é o mundo verdadeiro.  Precisamos da mentira para triunfar sobre essa realidade, essa ‘verdade’, isto é, para viver… Se a mentira é necessária para viver, até isso faz parte desse caráter terrível e problemático da existência.”

Programa

Ainda (Madredeus)
A boy was born (B. Britten)
Ezili (folclore do Haiti)
I’ve seen it all (Bjork)
Laser (Zé Miguel Wisnik)
A terceira margem do rio (Caetano Veloso e Milton Nascimento)
Promessas de sol (Milton Nascimento e Fernando Brandt)
A lalo bacho (cantiga de ninar afegã)
Enquanto isso (Nando Reis)
O sino da igrejinha (canto de umbanda)/Kyrie (Per Storby)
Because (The Beatles)
Maluca (Luiz Capucho)
Sabiá, coração de uma viola (Ailton Escobar)
Mama mia (ABBA)
Frevo mulher (Zé Ramalho)
Rex tremendae (W.A. Mozart)
Fre-o (folclore do Haiti)
Este mundo va (Miguel Bose)